sexta-feira, 6 de maio de 2011

ATRÁS E ATRASADO

Durante décadas ouvi dizer aos analistas de vários quadrantes que Portugal era um país atrasado. Maneira de falar que me irritava, sobretudo quando a detectava na linguagem dos estrangeiros que tinham de nós um conhecimento pouco mais que livresco; ou quando me chegava com uma carga ideológica que dificultava a descoberta do núcleo de verdade que realmente continha.
E foi a partir daqui que comecei a aprender que esse núcleo de verdade era também manipulado por muitos daqueles que, consciente ou inconscientemente, haviam criado as fontes desse atraso, ou herdado as ideias desses criadores.
Portugal um país atrasado!
Vejam bem: um país que, com pouco mais de um milhão de habitantes, conseguiu assombrar o mundo, ao qual abriu as rotas do universo, deixando-lhe novos mundos, na geografia de na cultura. Em cuja língua se escreveu a maior e mais bela expressão do pensamento que reflecte sobre o significado transcendente da história humana. Que é também a língua na qual, entre a ficção e a realidade, se exprime o carácter relativo de todas as culturas. Um país que, no século dezassete alimentou a Universidade de maior prestígio na Europa…
Este é um país atrasado.
Todos os sentimos, e só nos amargura que sejam as ideologias herdeiras do pensamento que nos decapitou culturalmente, as que mais barulho fazem por causa disso. E amargura-nos sobretudo porque é em nome fuga a esse atraso que nos põem cada vez mais atrás.
Foi desse erro que nasceu o famigerado “acordo ortográfico”, que só é ortográfico para quem não abre os olhos ou não tem qualquer sensibilidade para os fenómenos linguísticos.
Porque, quer se queira, quer não, como foi concebido e está a ser posto em prática, este novo modo de escrever, além de algumas confusões inevitáveis, vai dar um golpe de morte a muitas mudanças que caracterizavam o português de Portugal, que não era mais português que o do Brasil, mas também não era menos. Era diferente, e assim devia continuar a sua própria história. Não é verdade que as diferenças enriquecem o todo?
Ninguém me tira da cabeça que, com este “acordo”, do ponto de vista da língua, recuámos pelo menos dois séculos.
Será por esta psicose do recuo que se tem introduzido um atrás, sempre que se usa o verbo haver para exprimir a ideia de tempo passado?
Dizer um ano atrás, como os ingleses, a year ago, ou os italianos, un ano indietro, parece-me correctíssimo. Mas dizer que há um ano atrás… ronda pelo absurdo. E porque deste absurdo se repete por aí a cada passo, as pessoas vão se esquecendo de que o verbo haver, quando significa existir, é impessoal: havia lá muitas pessoas, haverá ainda alguns procedimentos obrigatórios… formas correctas, infelizmente a rarear sobretudo nos meios mais “cultos”, onde aparece com frequência: haviam lá muitas pessoas, haverão ainda alguns procedimentos obrigatórios.
Será mero acaso?

quarta-feira, 2 de junho de 2010

QUEM PODE DIZER O QUÊ

Tinha prometido a mim mesmo não falar do assunto. Até para evitar os equívocos que, por mais que nos esforcemos, num país de tão curtos horizontes culturais, como é o nosso, acabam sempre por enxamear leituras e comentários.
Leva-me a quebrar o silêncio o que, a propósito das declarações de alguns membros da hierarquia, por altura da promulgação da Lei do “casamento” entre pessoas do mesmo sexo, disseram vários comentadores da nossa praça, jornalistas ou não.
Não me interessa discutir o que, por inconsistência ética e legal, só consegue o nome de lei num país profundamente dominado pelo juspositivismo, que, pensando bem, está na base de todo o tipo de discriminações.
Em primeiro lugar, gostaria de dizer que, salvo erro ou omissão involuntária, não conheço qualquer tomada de posição oficial da Igreja, como tal, sobre a decisão do Presidente da República, de promulgar a tal lei.
Porque para obrigar os crentes – no caso, os católicos – não basta que qualquer membro da hierarquia, por mais elevado que seja o seu posto, exprima a sua opinião.
Depois, e também por isso, acho no mínimo deselegante que se diga “os católicos”, mesmo com o qualificativo “de direita”, quando os assuntos são de facto opináveis.
Claro que uma das coisas lamentáveis em todo este assunto foi que tanta gente da Igreja tenha caído na cilada daqueles que procuraram transformá-lo numa questão religiosa. Isso, aliás, tem acontecido com frequência a longo dos últimos anos em vários campos, onde a ignorância de uns, a má fé de outros e a ingenuidade da maioria semeiam constantemente a confusão, com grave prejuízo da justiça e da verdade.
Voltando ao caso da promulgação da lei do “casamento” entre pessoas do mesmo sexo, trata-se de um acto puramente político sobre o qual a Igreja não tem posição, até porque nem directa nem indirectamente tem a ver com a realidade que é objecto da reflexão teológica e o ordenamento canónico.
Por isso, em meu entender, qualquer católico, mesmo se membro da hierarquia, é livre de ter a sua opinião sobre o assunto. Livre de ter a sua opinião e de a exprimir, desde que o faça de modo a não condicionar a liberdade dos outros.
Pode acontecer que, quando se trata de pessoas com especiais responsabilidades dentro da comunidade crente, não seja prudente que manifestem publicamente as suas opinões políticas, porque, mesmo cuidando muito bem a linguagem, há sempre ignorantes e pessoas de má fé que se servem delas para todo o tipo de fins.
Mas não compete a qualquer comentador político, por inteligente ou competente que seja, dizer o que é que um militante católico, um padre ou um bispo, podem dizer, quando falam ou actuam fora do exercício das suas funções.

domingo, 25 de abril de 2010

AS LÁGRIMAS DO PAPA

Estava entretido com imagens antigas e modernas da pequena ilha: na memória saltava-se teimosamente do desembarque de Paulo para a madrugada romana, momentos antes da comunhão… e aquele jovem inquieto, a perguntar se a cerveja cortava o jejum. Vinha de Malta, mas falava inglês. Paulo teria falado grego… os séculos foram passando, e a internacionalização das línguas deixou de corresponder à riqueza cultural dos povos que as falavam, para obedecer a critérios de poder.

O pensamento saltava de Malta para Atenas, daí para Roma, de Roma voava para La Valetta. Depois era Paris, Londres, Washinton…

Quantas coisas se misturavam na minha mente, enquanto procurava emoldurar mais esta visita pastoral do Bispo de Roma.

De repente cai-me diante dos olhos este desabafo:

Deixem-me chorar com o Papa! Como ele e muito mais do que ele tenho razões para chorar: porque também é minha mãe esta Igreja de rosto conspurcado pelos meus pecados, pelas traições dos meus irmãos, as grandes e as pequenas, que são igualmente minhas; rosto sujo dos escarros da soldadesca, daqueles que não querem condenar os crimes, mas destruir toda a inocência que possa incomodar a sua instalação no comodismo das ideias feitas, do pecado transformado em virtude, do crime feito conquista, progresso.

Deixem-me chorar com o Papa!

Chorar estes seres humanos, duas vezes vítimas: primeiro, de quem destruiu a sua dignidade; agora, de quem os arma em bandeira doutra guerra, mais hipócrita, mais ignóbil.

Chorar com o Papa este mundo sem vergonha, que, depois de promover os vícios, quer que se castigue, não quem caiu neles, mas quem continua a recusar que eles se transformem em virtude.

Choro, sim, choro. Choro lágrimas de sangue, não tanto por causa dos padres pedófilos, ainda que a sua existência provoque em mim uma vergonha e uma tristeza imensas: choro por causa desta comunicação social, que sempre assume uma liberdade para matar que não admite a mais nenhum sector da vida humana.

Este jornalismo hipócrita ao qual não interessam para nada os pedófilos e as suas vítimas, mas o rosto imaculado de uma instituição milenar que, apesar das bofetadas, dos escarros, da coroa de espinhos, da cruz, do vinagre e da lança, continuará até ao fim dos tempos a lutar em defesa da dignidade da pessoa humana.

Seguramente que o Papa, naquele encontro de Malta, a ilha que no acolhimento de Paulo e dos seus companheiros, se transformou, sem querer, em símbolo da veleidade das multidões anónimas que, vitimadas pela observação superficial dos fenómenos, passam rapidamente do anátema à divinização, seguramente que nesse encontro o Papa chorou perante a desgraça daquelas pessoas, também e sobretudo, porque no meio de tanto alarido, a Igreja, acusada em todos os tons, é a única instituição que se interessa verdadeiramente por elas, que sofre com elas: porque são seres humanos nos quais contempla o rosto de Cristo chagado e sujo, conspurcado por alguns dos que se diziam e eram Seus íntimos; mas mais ainda por este alarido infernal, que aponta as armas para outros alvos.

Por isso o Papa se comove e chora.

Deixem-me chorar com ele.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

O O MEU CONTRIBUTO


Não tenhais medo

É a guerra!

Não a guerra aberta, de beligerantes mais ou menos honestos, preocupados com as exigências das convenções internacionais; mas a luta da hipocrisia e da mentira, daqueles para quem os fins justificam os meios, que fazem tudo para silenciar a voz da consciência… e que, em vez de porem em realce o crime, procuram enxovalhar as instituições silenciando-as da pior maneira, com calúnias e meias verdades, tentando retirar-lhes a autoridade com que teimam em defender os valores que eles rejeitam.

Alguém me deu a ler o texto de alguém que um agnóstico teve a coragem de publicar num jornal de grande circulação, não só para defender Bento XVI, mas sobretudo para prevenir as pessoas de boa vontade, nomeadamente os cristãos, da imensa cabala em que o laicismo quer envolver a Igreja, pondo em risco a própria identidade da Europa.

Desse artigo, publicado no Corriere della Sera, em 17.III.10, atrevo-me a transcrever alguns passos:

Está em curso uma guerra.

Não propriamente contra a pessoa do Papa, porque, neste terreno, tal guerra é impossível: Bento XVI tornou-se inexpugnável pela sua imagem, pela sua serenidade, pela sua limpidez, firmeza e doutrina, só aquele sorriso manso basta para desbaratar um exército de adversários. Não, a guerra é entre o laicismo e o cristianismo.

Os laicistas sabem perfeitamente que, se aquela batina branca fosse tocada, sequer, por uma pontinha de lama, toda a Igreja ficaria suja, e se a Igreja ficasse suja, suja ficaria igualmente a religião cristã.

Depois, o autor, com uma profundidade e lucidez impressionantes, de quem sabe do que fala, analisa os meandros da jogada, que nem sequer é original e vem de longe, e terá como consequência o fim da Europa, um autêntico cataclismo civilizacional.

Mas esta guerra contra o cristianismo seria menos perigosa se os cristãos a compreendessem; pelo contrário, muitos deles não percebem o que se está a passar. São os teólogos que se sentem frustrados com a supremacia intelectual de Bento XVI. Os bispos indecisos que consideram que o compromisso com a modernidade é a melhor maneira de actualizar a mensagem cristã.

Os cardeais em crise de fé, que começam a insinuar que o celibato dos sacerdotes não é um dogma, (…). Os intelectuais católicos que acham que a Igreja tem um problema com o feminismo, (…). As conferências episcopais que se enganam na ordem do dia e (…) não têm a coragem de denunciar as agressões de que os cristãos são alvo.

E, depois de denunciar outras cobardias e mais incoerências do nosso mundo ocidental, termina:

A guerra dos laicistas vai continuar, quanto mais não seja porque um Papa como Bento XVI sorri, mas não recua um milímetro.

Mas aqueles que compreendem esta intransigência papal têm de agarrar na situação com as duas mãos, não ficando de braços cruzados à espera do próximo golpe. Quem se limita a solidarizar-se com ele, ou entrou no horto das oliveiras de noite e às escondidas, ou então não percebeu o que está ali a fazer.

Marcello Pera


terça-feira, 13 de abril de 2010

MOMENTOS DE CONFORTO




Pela janela entra uma Primavera discreta, como que envergonhada do esplendor do últimos dias: nada do que precisa o meu espírito, em luta contra as sombras que de todos os lados ameaçam confiná-lo aos curtos horizontes em que nos encerra o tempo e o espaço.

Preciso de sinais que me projectem para além deste mundo desesperadamente encolhido: fulgores de eternidade que só a fé e a arte conseguem mergulhar no tempo, pôr ao alcance das criaturas que, mesmo sendo espirituais, se mantêm confinadas pelos limites da matéria.

António Vivaldi, música sacra do Barroco – qui sedes ad dexteram Patris miserere nobis – festival de La Chaise-Dieu… A grande abadia medieval destruída pelos furores revolucionários do século XVIII. O arrojo sublime do Gótico contido pelos avisos da dança macabra – a morte, cuja implacável universalidade marcava toda a existência medieval – e a angústia do espírito pós-renascentista, espraiando-se na busca cada vez mais ansiosa de formas que cubram os vazios, todos os vazios: do pensamento, das palavras, dos espaços.

E assim, por momentos, os olhos com o que vêem, os ouvidos com o que ouvem e a memória com o que recorda, do século XIV ao século XXI, me ajudam a criar um incomparável mundo de valores que, sem se anularem, se cruzam, se absorvem e se reproduzem, sempre com novos matize: a arte e a cultura, o que fica da luta permanente do espírito humano contra as limitações do tempo e do espaço.

Reparo, no fim, quando regresso a mim próprio, deixando, no entanto, que espírito alargue os horizontes da memória, que são mais de vinte séculos atravessados pela teimosia de uma única instituição, que, mesmo guardando as marcas de todos os combates, lhes sobrevive sem perda de identidade.

E que dessa identidade faz parte a visibilidade que lhe dão os ódios e as perseguições dos contra-valores: porque só ela resiste à fúria dos inimigos e ao desgaste dos anos.

La Chaise-Dieu, o esplendor do Limousin, as contradições da Renascença, a ânsia de equilíbrio do Maneirismo e do Barroco: poetas, pintores, arquitectos, compositores e executantes, dos tempos passados e dos nossos dias… Assim, quando se quer salvar e não apenas condenar, castigar, até com as ruínas, qualquer que seja a sua origem, se constroem momentos de conforto.


segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

JANELAS


As minhas janelas são mais modernas e um puco mais amplas; também consigo ver atarvés delas muito mais coisas.
Mas nem por isso vejo, se dou à palavra a riqueza do seu conteúdo original, mais pessoas; e são as pessoas que me fazem falta.
Por exemplo, agora, para retomar a minha actividade de bloguista, preciso dos amigos que sabem informática, e são vários, porque vou conhecendo alguns jovens que fazem o favor de fechar os olhos à minha idade e mostrar-se meus amigos. É que, apesar do meu inetresse pelos computadores, não há meio de me dar com as suas brincadeiras, por vezes autênticas pirraças... o riso escarninho de quem se alegra com a ignorância dos outros.
Será que algum desses meus amigos vai ler este meu post?...

domingo, 21 de fevereiro de 2010

UM MÊS DEÇPOIS

A minha homenagem

Abro o meu blog quase três meses depois de ter inserido nele o último texto.

Desta vez a resistência foi no sentido de não escrever: houve momentos de grande pressão interior à qual, por isto e por aquilo, não me parecia oportuno ceder. Mas depois, não sei bem porquê, talvez por ter saboreado a tranquilidade do silêncio, vinha a desmobilização, a secura, a preguiça, enfim.

Retomo este cantinho, não sei ainda se para continuar – sabe-se lá o que me vai acontecer entretanto – se apenas para romper um silêncio que às vezes me provoca remorsos de consciência. Estes, bem entendido, são facilmente ultrapassáveis com considerações humanas: demasiado humanas, diria, parafraseando o filósofo louco do pangermanismo encoberto.

Mas a minha entrada hoje na blogosfera tem uma motivação e um fim muito concretos: a amizade e a justiça.

Esta última, queria referi-la, mais em tom de desabafo, a um contexto de omissões que, nem por serem pecha crónica de certos ambientes, deixam de ser injustas e, o que é pior, causadoras de inúmeros equívocos, num mundo como o nosso, onde o que se valoriza não é o que vale, mas o que brilha.

Quanta à amizade, neste caso, pelo quadro em que se criou e se foi desenvolvendo, ela serve-me sobretudo para perceber como amigo não é só aquele que sempre nos agrada, ou que nunca nos magoa: a verdadeira amizade, de facto, é algo muito diferente da harmonia no riso ou nas lágrimas, que podem bem servir de máscara a outra coisa menos recomendável.

Também não é amigo quem não sabe ultrapassar as mágoas e descobrir para além delas a boa vontade e os limites que a desvirtuam, quiçá, tantas vezes, os defeitos das qualidades das pessoas com que se lida.

Tudo isto me vem à mente quando puxo pelo calendário e vejo que passa hoje precisamente um mês sobre o falecimento do Padre Henrique.

O Padre Henrique, que era como todos o conhecíamos na intimidade, e ele gostava de ser tratado, partiu para o Pai quase sem aviso; mas não sem passar por um calvário ao qual não fazia falta nenhuma a via-sacra das irracionalidades de um certo Serviço Nacional de Saúde: foi bem um calvário sobre outro calvário.

E agora, passado um mês, contrariamente ao que acontecia enquanto ele estava entre nós, mesmo que decorresse um ano sem nos vermos, assalta-me uma saudade inesperada, que, dada a complexidade de coisas que a alimentam, se torna até estranha.

Não era fácil trabalhar com o Padre Henrique, que, além de não deixar para os outros o que lhe competia, nos ultrapassava sempre na sua entrega às tarefas comuns. E, como muitas vezes acontece a quem se movimenta na área do poder, nem sempre acertava o alvo das armas com que se defendia das manipulações.

A imagem mais antiga que tenho dele vem-me dos tempos em que, adolescente ainda, o escutava na leitura do refeitório, com aquela voz tão típica, que manteria até ao fim da vida. E nessa altura estava a uma distância quase infinita de imaginar que um dia haveríamos de estar juntos… no trabalho e nos atormentados desencontros que qualquer tarefa traz consigo, quando se lida sobretudo com pessoas.

Não quero fazer aqui a história desses anos; porque não terá muito interesse, mas sobretudo porque neste momento acho mais urgente, tendo em vista que estamos no ano sacerdotal, o grito de revolta que se ergue dentro de mim contra a ingratidão do silêncio que se abate sobre uma enorme galeria de homens que, como o Padre Henrique, se dedicaram com amor generoso e indesmentível lealdade – a Deus e à Igreja, na pessoa do seu bispo – ao serviço desta diocese.